Os habitantes e comerciantes de Algueirão-Mem Martins estão preocupados com o número crescente de infetados nesta freguesia de Sintra e pedem que a polícia seja mais severa com quem infringir as regras do estado de calamidade decretado pelo Governo.
Às primeiras horas da manhã, nas ruas que circundam a estação de comboios de Algueirão-Mem Martins, o movimento aumenta à medida que o dia vai nascendo. A maioria procura o comboio e os autocarros que confluem na zona histórica da freguesia de Sintra, uma das mais afetadas pela pandemia de covid-19 e entre as 19 da Área Metropolitana de Lisboa que o Governo colocou em estado de calamidade.
Do lado de Mem Martins, Maria Isabel Moniz conhece bem a azáfama das primeiras horas do dia. De frente para a paragem de autocarros, há muitos anos que a banca de jornais onde trabalha é ponto de paragem para quem quer ler as notícias do dia ou tentar a sorte numa raspadinha. Contudo, lamenta que ao dia de hoje sejam cada vez menos os que vêm ter consigo.
"Está tudo muito parado, vai correndo devagarinho, mas está muito fraco. Muitas pessoas estão em casa e muitas sem dinheiro. Uns não recebem, outros foram despedidos e outros estão em 'lay-off'", explica a comerciante.
No seu 'posto de vigia', Maria Isabel conta à Lusa que não está surpreendida com os números de infetados em Algueirão-Mem Martins. Acusa as pessoas de "não respeitarem" as regras e lembra que todos os dias vê da sua banca partirem, um atrás da outro, "autocarros cheios". Depois, acrescenta que as pessoas de mais idade são também um problema.
"Andam por aí a ver as lojas, o ambiente, para cima e para baixo, sem necessidade de andar na rua", afirma.
A conversa é interrompida para Maria Isabel vender um jornal, mas rapidamente a vendedora diz à Lusa que só acredita em números melhores se a polícia entrar em ação.
"Se começarem a multar talvez as coisas melhorem. Só acredito se as pessoas forem obrigadas a pagar as multas pelas infrações que fazem", sublinha.
Duas portas ao lado do quiosque de Maria Isabel, a sua amiga Isabel Ferreira abre a porta do pronto a vestir mal 'batem' as 10:00. Os clientes a entrar são poucos, por isso Isabel mantém-se à porta e vai cumprimentando quem passa.
"A Economia está muito mal, as pessoas ainda têm medo de vir às compras, não há poder de compra e as lojas aqui em Mem Martins estão quase todas a fechar. Está muito complicado", diz a lojista.
Sobre os números da pandemia, também ela se mostra pouco surpreendida por Algueirão-Mem Martins estar entre as freguesias mais afetadas.
"Quando abriram as escolas via muitos jovens sem as máscaras a conviverem e a beberem, e acho que começou a piorar nessa altura. Depois também temos as pessoas de idade, que não querem cumprir", revela.
Pouco confiante de que em 15 dias mude alguma coisa, Isabel Ferreira já decidiu que vai voltar para o Fundão, a sua terra natal. A pandemia acelerou a decisão de "voltar a casa", mas ainda que vá para longe considera que a polícia deve estar mais presente nas ruas.
"Se não começarem a andar na rua, a multar ou a fazer pressão para irem para casa, não vai mudar nada. A economia não pode parar, mas se não houver medidas da polícia não vão deixar de haver festas, convívios e vai continuar a haver mais infetados", vaticina.
Já mais perto da hora de almoço, crescem as filas à porta dos supermercados na avenida central de Mem Martins. Numa delas está Isabel Francisco, que garante que só saiu de casa para ir às compras e apelida de precipitado o desconfinamento que foi feito.
"Acho que não se devia ter aberto, devíamos ter ficado como estava, e só quando deixasse de haver casos de covid-19 é que deviam ter aberto as lojas", diz esta moradora de Algueirão, que é radical na hora de avançar com uma solução: "Deviam fechar tudo outra vez. Era a melhor solução para as pessoas ficarem presas em casa".
A ver tudo isto está Aires Pereira. Aos 67 anos, reformado, diz que "a reforma dá para pouco" e por isso não abdica dos seus passeios diários, mesmo que as indicações sejam para ficar em casa sempre que possível.
"Estou a viver normalmente, não penso duas vezes, se tiver que vir que venha", diz sem medo do vírus. "Tenho a máscara, não ando em molhos, desvio-me dos ajuntamentos, mas quando tiver que vir... Graças a Deus até hoje... tenho um 'pacemaker', fui operado a um pulmão, mas estou a reagir bem a isto", afirma com confiança.
Apesar de não ter um comportamento exemplar, este sexagenário é lesto a apontar o dedo aos que mais prevaricam.
"As pessoas não se pode dar um dedo que apanham logo o corpo todo. Há falta de disciplina, as pessoas não têm consciência do que se está a passar e abusam", acusa, defendendo "mais força para a polícia".
"As pessoas não têm respeito pela polícia. Gozam com eles, eles falam e é a mesma coisa que nada. Deem um pouco mais de força à polícia", termina.
A generalidade de Portugal Continental entra hoje em situação de alerta devido à pandemia de covid-19, com exceção da AML, que passará para o estado de contingência.
Dentro da AML, que é constituída por 18 municípios, 19 freguesias de cinco concelhos continuarão em estado de calamidade, já que, segundo disse o primeiro-ministro na semana passada, é onde se concentra agora "o foco de maior preocupação de novos casos [de infeção] registados".
Nestas freguesias foram impostas medidas especiais de confinamento, como o "dever cívico de recolhimento domiciliário", ou seja, as pessoas só devem sair de casa para ir trabalhar, ir às compras, praticar desporto ou prestar auxílio a familiares.
Os ajuntamentos ficam limitados a cinco pessoas e estão proibidas as feiras e mercados de levante.