Até ver, é a grande revelação da música portuguesa deste ano.
Papillon (Rui Pereira), termo francófono que significa “borboleta”, rompeu o
casulo com estrondo quando lançou Deepak
Looper. O jovem rapper de Mem Martins,
Sintra, que é também membro do coletivo GROGNation, lançou o primeiro álbum a
solo com produção executiva e supervisão do seu parceiro Slow J (João Batista
Coelho), outro dos grandes novos talentos da música portuguesa.
Quem
ouviu o disco, que foi editado em março, percebeu que se trata de um objeto único, musicalmente muito rico e
revelador de uma caneta apurada. Quem viu Papillon apresentar o álbum nos
Estúdios Time Out, em Lisboa, em concerto esgotado e com o público a cantar as
letras do início ao fim, percebeu que o rapper é mesmo um fenómeno em ascensão. Hoje,
no NOS Alive, Papillon teve o primeiro concerto de consagração e
percebeu-o cedo, pela reação das pessoas ao primeiro tema “Impulso”: “Isto
é lindo. A sério, isto é muito lindo”, exclamou.
O
palco NOS Clubbing estava cheio para assistir à primeira grande estreia do
rapper a solo num festival de grande dimensão. A grande maioria do público era
composta por jovens, que viram Papillon dar um concerto sem grandes quebras ou
momentos mornos — em parte, porque também o disco é muito coeso, não havendo
temas facilmente descartáveis. “1:AM” veio logo a seguir à primeira canção e
colocou Papillon a rimar sobre a forma como contrariou as (baixas) expectativas
do pai. Mas com um ligeiro twist no
final: “Aquilo que o meu pai não sabe / é que eu hoje eu vou-me mandar” virou “Aquilo
que o meu pai não sabe / é que hoje eu estou no Alive“.
Os
convidados do disco apareceram em palco para abrilhantar o concerto: primeiro
Slow J,”uma pessoa e um artista inacreditável”, no tema “Imbecis / Íman”, mais
tarde Plutonio, para participar na festa de ritmo afro “Iminente”. O último
seria desafiado em palco — “Eu sei que não te avisei, mas…”, disse Papillon —
para cantar a capella os
versos da sua canção “Tu Não Vales Nada”, o que fez. Um tema que Papillon disse
que, quando ouviu, pensou: “Gostava de tê-lo feito”.
Depois
de participar em “Imbecis / Íman”, mas antes de sair do palco, Slow J
apresentou Papillon como “uma pessoa e artista inacreditável, que merece tudo o
que está a acontecer aqui”. O que estava a acontecer era
uma festa de grande comunhão entre o rapper de Mem Martins e o
público. Uma festa em que se celebrou a cultura hip hop — “Quando eu disser
hip, vocês dizem hop”, pediu Papillon antes de apresentar o DJ que o
acompanhava, X-Acto, a que se somava um guitarrista e um baterista, num
formato de banda completa sem uso abusivo de vozes e instrumentos pré-gravados
que fortaleceu o concerto.
Não
posso continuar sem dizer o quão grato estou por estar neste palco, neste
festival fantástico com artistas fantásticos. Sou a pu** da prova viva de que
os sonhos podem concretizar-se. É mesmo, mesmo possível”, afirmou, reforçando
assim a importância que este concerto tem no seu percurso artístico.
A
acelerada “Impressões”, que em alguns momentos lembra os Da Weasel e em que
Papillon diz que não é “como toda a gente”, que “essa gente não sabe como eu
sou” e que o seu coração “é diferente”, foi outro dos pontos altos. Tanto assim
foi que, quando o tema terminou, o público começou a gritar “Papi, Papi, Papi”
e o rapper escondeu a cara com as mãos, fechando os olhos, visivelmente feliz
pelo momento. “Acho que os próximos artistas vão ter que me perdoar mas não me
apetece sair deste palco neste momento”, apontou então.
“I’m
the Money” era a faixa que se seguia, com Papillon a rimar de forma mais
agressiva sobre a batida composta pelo produtor português Lhast. Com versos
afiados, antecedeu uma ótima sucessão dos temas “Imagina” e “Impec”. Sobre o
primeiro, Papillon revelou que ponderou “não o escrever, não o fazer e não o
apresentar aqui”, o que talvez se justifique pelo tom confessional da canção,
que começa com os versos “Nunca vi os meus pais trocarem um beijo / Amor
todos falam dele, mas eu nunca o vejo”. É a canção mais vulnerável de Deepak
Looper e, seja por ser inspirada na vida dos pais do rapper ou
por, sendo ficcional, poder provocar leituras nesse sentido,
percebe-se o pudor. Certo é que é um belíssimo tema e um daqueles em
que Papillon melhor consegue contornar alguns dos clichés deste género
musical. A segunda, pelo instrumental apurado concebido por Slow J (que
voltou a palco para o tocar à guitarra) e pela quietude da letra, é outro
momento alto do disco, mais um que confunde estereótipos de género. Sobre Slow
J, que o ajudou a fazer o disco, Papillon deixou ao público uma mensagem
simples que soou a agradecimento: “És muito melhor quando fazes as pessoas à
tua volta melhores”.
O
concerto aproximava-se do fim e, depois da já referida festa afro com Plutonio
em “Iminente”, o público voltava a dar sinais de entusiasmo: “E salta Papi, e
salta Papi, olé, olé”, gritou-se. E o rapper saltou. “Chegámos à reta final”,
avisava Papillon. O último fôlego foi com uns quantos “obrigado” e “muito
obrigado” repetidos com a banda a acompanhar o agradecimento nos instrumentos,
em tom dançável, mas a última canção a ser apresentada era precisamente o tema
que encerra o disco, “Metamorfose Fase II”, talvez a melhor carta de
apresentação de Papillon enquanto rapper (há também o
Papillon cantor, o Papillon hedonista e festivo, o Papillon vulnerável de
“Imagina”…), com impressionantes variações de ritmo e intensidade na dicção dos
versos.
Restava
a última mensagem de um concerto que por certo será recordado por rapper e fãs
nos próximos anos: “Muito, muito, mas muito obrigado, Alive. O meu nome é
Papillon, foi um prazer estar aqui. Espero ver-vos em breve.” A julgar pelo
concerto, há uma boa probabilidade de isso acontecer. Até porque foi difícil
não recordar a atuação de Slow J no Super Bock Super Rock no ano passado, com
vários pontos em comum com a de Papillon esta quinta-feira no NOS Alive.
Na altura, esse concerto confirmou o “salto” de João Batista Coelho para a
primeira liga do hip hop nacional (talvez da música portuguesa, também). Se
aconteceu assim com Slow J em 2017, porque não acontecerá com Papillon em 2018?