Aqui deixo um texto que encontrei sobre a Feira das Mercês e decidi compartilhar.
A Feira das Mercês:
um anacronismo que perdura!
Carlos Gomes * Jornalista, Licenciado em Históriao
A feira das
Mercês, no concelho de Sintra, constitui desde há muito uma das mais genuínas
feiras da região saloia. Desde o século XVIII que, na segunda metade do mês de
Outubro, os agricultores ali acorrem para vender os seus produtos e
divertir-se. Por esta altura já se bebe a água-pé. E, a juntar às novidades da
época, aparece o famoso leitão de Negrais, o típico queijo saloio e, como não
podia deixar de ser, a suculenta carne de porco às Mercês guisada na banha
dentro de um pratinho de barro.
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A venda de loiça de barro sempre foi uma das características da Feira
das Mercês que ainda se preserva. |
Esta foi uma
das mais concorridas feiras que se realizam nos arredores de Lisboa. As tendas,
montadas no recinto junto à quinta que desde há várias gerações pertence ao
marquês de Pombal, dão vida à parte profana de uma festa que, como não podia
deixar de acontecer, também possui uma vertente religiosa em torno da humilde
capelinha de Nossa Senhora das Mercês.
Em tempos
recuados, esta foi uma festa saloia a sério, predominantemente rural, com
muitas tabernas e zaragatas à mistura. E nem sequer faltava a feira do gado
onde também se vendiam bois. Actualmente, nem galinhas já ali se vendem, tal é
a mudança dos tempos. Os forasteiros vinham de longe e principalmente de
Lisboa. A viagem de comboio era demorada mas valia a pena. As decorações
estendiam-se pela encosta até ao centro da povoação onde se encontrava um
pequeno apeadeiro do ramal de Sintra pois então esta ainda não passava de uma
extensão a partir da linha do Oeste. Só a partir dos anos sessenta, com o
crescimento dos bairros dormitórios, esta região tornou-se densamente povoada e
o pitoresco ramal virou uma linha de comboio de via quádrupla intensamente
utilizada. Sintra passou a ser o segundo concelho mais populoso do país.
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As típicas barraquinhas de feiras onde se realizavam os sorteios já
desapareceram. |
Ao longo da
linha férrea, os prédios apinham-se à procura de espaço para receberem sempre
novos moradores. A própria tapada das Mercês ficou reduzida a um pequeno pinhal
cuja sobrevivência não está garantida. A maioria das gentes que agora habita a
região provém dos sítios mais díspares, tanto de Portugal como de outros
países, com uma especial incidência nos países africanos de Língua oficial
portuguesa. As novas “saloias” já não usam bioco e saias compridas – são
garotas mais desenvoltas e atrevidas na sua forma de estar. E a feira de tão
típica que foi, vai a cada ano cedendo o espaço a novos feirantes que trazem
mercadorias novas e bizarras. O vinho tinto foi trocado pela caipirinha,
o artesanato é vendido por índios sul-americanos e as tradicionais ferramentas
agrícolas deram origem a outras alfaias, mais modernas e muito procuradas,
geralmente vendidas por indianos – os telemóveis.
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Em tempos idos, também se vendiam bois na Feira das Mercês |
Apesar de tudo,
ainda persistem alguns vestígios do passado, das características que lhe
estiveram na origem, embora tendam a desaparecer a curto prazo. É que, os
esforçados componentes do Grupo de Bombos das Mercês bem rufam os seus
instrumentos pelas ruas das urbanizações em redor mas, quem assome à janela, é
em regra alguém que desconhece o que se trata realmente aquela festa. E vai à
feira mas para comprar o que precisa – e não precisa! – e para se divertir à
sua maneira. O costume saloio nada lhe diz nem de tal possui a mínima
curiosidade.
À outrora típica feira das Mercês, no concelho de
Sintra, pouco mais lhe resta do que aguardar pelo último suspiro e ir definhando.
E, lamentavelmente, acabará por desaparecer, a não ser que se transforme num
mero “outlet” à semelhança de muitos que surgiram por este país fora,
com “boutiques de alcofa” onde se vende toda a sorte de produtos
contrafeitos. Aquela feira, constitui já um anacronismo e, simultaneamente,
algo que já não corresponde ao que a mesma possuía de mais genuíno e que tinha
a ver com as tradições das gentes da região saloia.
Carlos Gomes * Jornalista, Licenciado em Históriao