Há experiências que nos moldam de forma irreversível. Ser presidente de uma junta de freguesia é uma delas. Durante doze anos vivi o território que me viu nascer e crescer com uma intensidade que não cabe em palavras. Aprendi a medir o tempo pela cadência das ruas, pelos rostos das pessoas, pelas urgências que não esperam e pelas pequenas vitórias que fazem a diferença na vida de alguém.
Ser presidente da junta é viver de portas abertas. É ouvir as alegrias e as angústias de quem bate à porta com esperança. É sentir a responsabilidade de representar todos, os que nos apoiam e os que nos contestam. É compreender, todos os dias, que a democracia se constrói no gesto mais simples: estar presente.
Nestes doze anos, vi crianças tornarem-se adultos, vi ruas transformadas, projetos erguerem-se e sonhos concretizarem-se. Mas vi também o que fica por fazer e talvez seja isso o que mais nos marca: a consciência de que o trabalho público nunca está terminado.
As eleições de 12 de outubro trouxeram uma nova realidade. O Partido Socialista perdeu em Algueirão-Mem Martins e perdeu em Sintra. É um facto. E, como em tudo na vida, os factos existem para serem compreendidos, não para serem negados.
“o tempo muda, as comunidades transformam-se, e a política deve ter a coragem de mudar também”
Perder faz parte da democracia. Depois de doze anos de serviço, é natural que o tempo peça renovação, novas vozes, novas energias. Mas perder deve também ser o momento de uma reflexão profunda, não sobre quem falhou, mas sobre o que nos afastou. Sobre a distância que, por vezes sem dar conta, se cria entre quem governa e quem é governado.
Nesta campanha, Sintra teve uma candidata que dignificou o Partido Socialista e a política. Ana Mendes Godinho trouxe energia, entrega e autenticidade. Falou com as pessoas de frente, com verdade e com entusiasmo, sem nunca desistir de acreditar que o diálogo e a proximidade são o caminho certo. Representou o que de melhor o PS tem. A vontade de construir, de unir e de servir. Mesmo num tempo difícil, manteve a esperança viva e isso, por si só, é uma forma de vitória.
A política local é, talvez, a mais humana de todas as formas de política. Porque é ali que as pessoas esperam encontrar respostas, proximidade, empatia. E quando a perceção dessa ligação se esbate, é preciso parar e escutar. Escutar com a humildade de quem sabe que o poder é transitório, mas o compromisso é permanente.
Há uma tendência natural em todos nós, nas pessoas e nas organizações, para nos refugiarmos na zona de conforto, para acreditarmos que o que foi suficiente ontem continuará a ser amanhã. Mas o tempo muda, as comunidades transformam-se, e a política deve ter a coragem de mudar também.
Chegou, por isso, o momento de o PS em Sintra olhar para dentro, repensar a sua relação com o território e com as pessoas. Não se trata de negar o passado, trata-se de aprender com ele. O que construímos permanece, mas o que queremos construir a seguir exige um novo impulso, uma nova escuta, uma nova abertura.
Servir é, em última análise, um exercício de humildade. E é talvez por isso que, mesmo depois de deixar o cargo, quem serviu nunca deixa verdadeiramente de o fazer. Porque o compromisso com a terra e com as pessoas não se apaga com o fim de um mandato, continua na forma como olhamos o futuro, com a serenidade de quem sabe que só há verdadeira vitória quando se continua a acreditar, mesmo depois de perder.
Artigo de opinião de Valter Januário | Presidente da junta de freguesia de Algueirão-Mem Martins
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