Os Veraneantes do Algueirão: Memórias de um Tempo Sereno (1900–1950)
Antes de o Algueirão se transformar num dos principais centros urbanos de Sintra, era uma aldeia discreta, rodeada de quintas e pinhais, onde o ar fresco da Serra atraía famílias da capital em busca de descanso.
Um Refúgio para a Elite Lisboeta
No início do século XX, quando a ligação ferroviária entre Lisboa e Sintra se consolidou, o Algueirão tornou-se um ponto de paragem para quem desejava ficar “perto da serra, mas longe do bulício”.
O comboio — símbolo de progresso e elegância — permitia que famílias abastadas de Lisboa viajassem facilmente até à vila. Chegavam com bagagens, criadas e crianças, para passar semanas ou meses em casas alugadas ou propriedades próprias.
Entre os veraneantes mais conhecidos, recorda-se a Família Figueiredo Monteiro, proprietária da antiga Villa Esperança, perto da atual Estrada de Mem Martins. Era uma casa de linhas românticas, com azulejos azuis e um alpendre onde se tomava o chá das cinco com vista para a serra.
Também se falava dos Sousa Guedes, que vinham em carruagem própria e hospedavam-se no Solar da D. Constança, uma quinta isolada com pomar e tanque de pedra.
Os Dias Lentos da Aldeia
As manhãs começavam cedo, com o som distante do comboio e o cheiro do pão da padaria da D. Júlia, no centro da vila. Os veraneantes passeavam pela estrada de terra que ligava Algueirão à Tapada, e era costume cumprimentar os lavradores locais com um aceno educado.
As senhoras visitavam as pequenas mercearias para comprar fruta fresca, leite e flores — produtos simples, mas “de uma pureza que em Lisboa já não se encontrava”, como escreveu um jornalista de 1932 no Diário de Notícias, referindo-se à calma bucólica da região.
Encontros de Dois Mundos
Para os habitantes locais, a chegada das famílias de Lisboa era um acontecimento.
Os meninos do Algueirão corriam até à estação para ver “os senhores da cidade” e os seus modos refinados. As criadas, muitas oriundas de famílias humildes da própria vila, serviam de ponte entre os dois mundos — levando notícias da serra para dentro das casas senhoriais e trazendo, de volta, histórias de Lisboa contadas à sombra das figueiras.
Progresso Clube
O Progresso Clube de Algueirão-Mem Martins surgiu nos anos 40, do século XX, fundado sobretudo por famílias vindas de Lisboa que tinham casas de veraneio na zona — uma época em que a vila ainda era fortemente rural e marcada pela cultura saloia. Esses lisboetas procuravam criar um espaço de convívio “à sua maneira”, com bailes, jogos e eventos sociais, distanciando-se da população local, tanto em hábitos como em estatuto social.
O nome “Progresso” refletia essa ideia de modernidade e distinção urbana, em contraste com a vida campesina da população nativa.
Enquanto outras coletividades mais populares ou saloias (Mem Martins Sport Clube e Recreios Desportivos do Algueirão) tinham uma base mais comunitária e local, o Progresso Clube manteve durante bastante tempo uma certa aura de exclusividade social e cultural.
O Declínio dos Veraneios
Com o crescimento urbano e o aparecimento das primeiras fábricas e conjuntos habitacionais nas décadas de 1950 e 1960, o Algueirão começou a mudar. As casas senhoriais foram vendidas ou demolidas, os grandes quintais divididos em lotes, e o comboio passou a trazer sobretudo trabalhadores pendulares, não veraneantes.
Mas, entre as ruas modernas e os prédios, ainda se encontram vestígios desse passado: um portão de ferro enferrujado com as iniciais de uma antiga família, um tanque de pedra esquecido num quintal, ou o nome de uma rua que recorda a “Quinta da Esperança”.
O tempo apagou muito, mas não tudo.
Nas memórias de quem ainda recorda, o Algueirão foi, durante meio século, um refúgio de veraneio — um lugar onde o campo e a cidade se encontravam, e onde a Serra de Sintra era, mais do que cenário, um remédio para o corpo e para a alma.

.png)


Sem comentários:
Enviar um comentário