Joaquim Franco
Jornalista
opiniao@sic.pt
15:36 26.01.2016
Por prudência, fui mais cedo. Havia a promessa de um jantar e era melhor conhecer o ambiente, perceber os objetivos da conferência. O "professor Marcelo" seria a figura central da noite. Recordo o momento da chegada dele à igreja de Algueirão. Quando entrou, cumprimentou toda a gente. Na verdade não teria como não o fazer. Toda a gente foi ao encontro dele e ele deu tempo a toda a gente.
A conferência serviria para dar testemunho sobre isto de ser "família de amanhã". De Marcelo Rebelo de Sousa conhecia apenas o que toda a gente sabia. Em mais de duas décadas de exercício jornalístico cruzara-me com ele muitas vezes. Tendo em conta o que protagonizou e representa na rede de leitura e interpretação do quotidiano português, não há muitos jornalistas que possam dizer que nunca se cruzaram com Marcelo Rebelo de Sousa. Fosse numa conferência, num congresso, num corredor, numa campanha, num comício, à procura de um comentário, na apresentação de um livro. A presença do "professor Marcelo" não se limitava à omnipresença da exposição televisiva. Nem é preciso conhecê-lo de perto para saber que respondia generosamente a qualquer solicitação, sendo possível. Era, por aparente força da natureza e por evidente disponibilidade, um acessível.
Naquela noite, em Março de 2007, partilhei o jantar com ele. E experimentei Marcelo para lá da fugaz interpelação jornalística ou da formalidade de um palco. Fez muitas perguntas, recordo. Ali ficámos, entre garfadas, uma hora a falar de tudo. Da vida, da Igreja - era o enquandramento -, da religião, da juventude, da academia, da política, da televisão, do jornalismo. Já não me lembro bem dos pormenores da conversa, mas sei que foi descomplexada e reveladora. Na forma, e em certa medida no conteúdo, era naquele jantar o que era na televisão. De linguagem simples, fácil de entender. De posições moldadas, é evidente, mas sem complicómetro, directo.
Na hora da sobremesa levantei-me ligeiramente para tirar uma esferográfica do casaco, era preciso alinhavar umas notas para a moderação da deliciosa conversa que teríamos depois. "Cuidado com a barriga", ouvi. Marcelo olhara-me de perfil. "Que idade tem?", perguntou. "Veja lá, cuidado com essa barriga". Brincámos com o comentário e ele explicou os benefícios de uma alimentação saudável, da prática desportiva a partir dos 40. Depois da conferência e da despedida no meio da confusão dos derradeiros cumprimentos, quando já tinha virado as costas e abria o chapéu de chuva para sair, voltei a ouvi-lo. "Não se deixe engordar". Olhei-o de novo e percebi que fizera este derradeiro aviso já sem um sorriso, mas com aquele rosto mais fechado e penetrante, como quem avisa um aluno que tem de estudar. Era o mesmo da televisão, mudando de semblante consoante a gravidade da matéria e a fluidez do comentário, dando à expressão facial o sentido inapto da ideia. Qualquer que seja o amanhã, ele constrói-se e previne-se hoje. Nestes quase nove anos, não liguei muito ao que disse o "professor Marcelo" naquela noite. Era coisa de circunstância. Mas no domingo das eleições deu para reinterpretar a mensagem. Na dimensão política, como na tentação do apetite, há que usufruir do imediato sem comprometer o que está, ou pode estar, para vir. Vou fazer dieta...
Excelente ;)
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