Nesta
babel do concelho de Sintra, toda a gente saiu à rua, durante dois dias, para
festejar a multiculturalidade e mostrar que a vida entre o betão também se pode
expressar pela cultura
A
Tapada das Mercês está num prédio feito de papelão - como as torres deste
bairro da Linha de Sintra, que parecem enormes caixas de gavetinhas com gente
dentro. Dentro desta caixa também há histórias, de seis famílias, cada qual com
sua nacionalidade - abrimos cada janelinha para as descobrir. "Dantes a
Tapada era um dormitório. Agora é muito activa e já sou eu que não tenho tempo
para participar em todas as iniciativas", escreveu uma mãe cabo-verdiana
que vive aqui com as quatro filhas.
Uma
das muitas iniciativas que têm tentado dar outra vida a este bairro-dormitório
é o Tapada em Festa, organizada pelo (i)Nova Tapada, que congrega várias
associações e grupos de trabalho informal a trabalhar neste território. O
evento, entre sábado e domingo, levou centenas de pessoas ao parque de
estacionamento do centro comercial Floresta Center. A organização fala em pelo
menos 1500 pessoas por dia nesta segunda edição.
Primeiro,
toda a festa parece mais uma daquelas de bairro - até porque Junho é tempo de
festas. Depois, vê-se que é muito mais do que isso. Surgiu como resposta ao
desejo dos moradores de uma oferta cultural no seu bairro. "Tem como
objectivos a valorização do território, a participação das pessoas e a
valorização da diversidade", diz Sérgio Xavier, presidente da associação
Dínamo.
De 23 nacionalidades
Do
palco vai saindo música que não é a que se ouvirá mais tarde, quando todos
estiverem a postos para as actuações - quase todas de grupos da Tapada.
Enquanto
se tenta que os espectáculos não atrasem mais, começa o Teatro Fórum da Dínamo,
com uma peça sobre discriminação. Explicando: assiste-se a uma peça, que depois
é repetida. Mas da segunda vez quem não gostar do que vê pode dizer
"stop" e passar da plateia ao palco, reescrever a história como
quiser. Esta é de "pretos" e de "brancos", de
discriminação, de problemas que serão frequentes nesta babel que é a Tapada.
Instalou-se aqui gente de muitos lugares, de 23 países e 37,3 por cento dos
moradores nasceram fora de Portugal, de acordo com um estudo de 2010, do
programa de desenvolvimento comunitário urbano K"Cidade.
Lá
fora, vende-se artesanato e pratos tradicionais das nacionalidades mais
populares entre os moradores. Neste parque de estacionamento cheira a Angola, a
Guiné, também a Cabo Verde e Brasil. Também a Portugal, porque esta festa é a
celebração da multiculturalidade da Tapada. Há tendas de diversas associações,
de vários grupos informais que trabalham neste território e há workshops com as
crianças.
Uma oportunidade
Na
livraria Plantier, no centro comercial, Yerobah, de 23 anos, vai lendo uma
história que escreveu, palavra a palavra, com prudência, não se vá enganar em
público. Há um ano não sabia ler, quanto mais escrever - na Guiné-Conacri, o
seu país, pôde estudar apenas um ano. Agora enche o peito de orgulho, em frente
a quem assiste a esta sessão de leitura. Os alunos das aulas de alfabetização
da escola Visconde de Juromenha quiseram mostrar o que têm aprendido e com a
leitura de histórias da sua vida e da sua terra. Ele e Arlindo Indi, de 31
anos, da Guiné-Bissau, que segura, orgulhoso, um texto escrito a maiúsculas
numa folha A4.
Na
Tapada das Mercês existem muitos problemas, sociais e também urbanísticos. Mas
isto "acaba por ser uma oportunidade para a Tapada poder fazer coisas que
os outros não fazem", conclui Nuno Azevedo, da associação de pais da
Escola das Bandeirinhas.
Há
também uma riqueza: a diversidade que se promove no Tapada em Festa. Porque a
Tapada não é só feita de "prédios muito altos", de "ruas muito
estreitas", como escrevia uma família portuguesa que se apresentava no
prédio de cartão. Não é só feita de problemas. A Tapada é um bairro-dormitório,
é uma babel-subúrbio. Mas durante dois dias pôde ser também uma festa.