Nos anos em que Mem Martins ainda cheirava um pouco a aldeia, a fábrica da Messa erguia-se como um gigante industrial na linha de Sintra em crescimento.
Era impossível passar por ali sem sentir o tilintar metálico das peças e o burburinho constante de quase 1700 trabalhadores, que entravam e saíam como um coração mecânico que pulsava todos os dias.
Para muitos, trabalhar na Messa não era apenas um emprego — era uma vida. Famílias inteiras tinham ali o seu sustento. Pais, irmãos, primos… todos conheciam de cor o cheiro do óleo, o peso das teclas, o orgulho de montar aquelas máquinas de escrever que iriam viajar para escritórios, escolas e repartições por todo o Mundo.
Ao final do mês, Mem Martins ganhava outra vida. Depois de receberem o salário, era comum ver grupos de trabalhadores a juntar-se nos poucos restaurantes que existiam perto da fábrica. Era ali, entre arroz de polvo, espetadas de lulas, copos de vinho tinto barato e muita conversa, que se celebrava mais um ciclo de trabalho. Havia gargalhadas, histórias repetidas, sonhos adiados e aquele sentido de camaradagem que só nasce quando se partilha o suor todos os dias.
Mesmo em frente à fábrica, numa moradia discreta mas conhecida de todos, existia a pequena casa onde os funcionários podiam comprar artigos de mercearia a preços mais simpáticos. Ali compravam-se conservas, arroz, açúcar… tudo o que ajudava a compor a mesa de casa sem apertar demasiado o cinto. Para muitos, aquela porta era quase tão importante quanto a entrada principal da própria Messa.
Mas os tempos mudam, mesmo que ninguém esteja preparado.
Quando os computadores começaram a aparecer nas secretárias — primeiro timidamente, depois com força — a Messa sentiu o impacto como um murro no estômago. As máquinas de escrever, firmes e pesadas, tornaram-se relíquias de outra era. A fábrica, que durante décadas representara modernidade e inovação, foi ficando para trás. Não conseguiu acompanhar o ritmo das novas tecnologias, e lentamente os dias de movimento constante deram lugar a corredores vazios, secções encerradas e marcas de lutas sindicais.
Até que um dia, o inevitável aconteceu: a Messa faliu. Todos ficaram em casa.
O silêncio que ficou depois do fecho parecia maior do que o ruído de todas as máquinas juntas. Mem Martins perdeu um dos seus símbolos. Muitos trabalhadores viram ali não só o fim de uma fábrica, mas o fim de uma época.
Hoje, quem passa pelo antigo lugar da Messa talvez não imagine o que ali existiu, mas secretamente ainda ouve o som da sirene a marcar o final de mais um dia de trabalho.
Na memória dos que lá trabalharam — e na história da vila — permanece viva a lembrança da fábrica que enchia os dias, os bolsos e o coração de uma comunidade inteira.


.jpeg)
.png)
.png)








.png)






