Entrevista-Maisfutebol com o defesa de 26 anos, nascido em Mem Martins e desde 2010 no Médio Oriente, a pensar no Mundial. «É uma história incrível, não é?»
Português da Linha de Sintra joga na seleção do Qatar e é colega do cérebro catalão no Al Sadd. Por Pedro Jorge da Cunha 18 out, 10:24
http://www.maisfutebol.iol.pt/entrevista/pedro-correia/pedro-ro-ro-do-benfica-a-selecao-do-qatar-em-10-anos
Xavi Hernandez. O maestro do maravilhoso Barcelona de Pep Guardiola e da seleção de Espanha está no Qatar, em final de carreira. Aos 36 anos, o catalão é colega de equipa de Pedro Correia, defesa português que encontrou no Médio Oriente um excelente caminho para elevar a dimensão da carreira.
Em entrevista ao Maisfutebol, Pedro Ró-Ró fala da relação especial com Xavi e da ligação forte a Jesualdo Ferreira, compatriota e treinador deste Al Sadd.A conversa é cheia de curiosidades e chega ao ponto de Pedro recordar as refeições que fez sem colher nem garfo. Sim, no Qatar é perfeitamente normal comer com as mãos. Um hábito salutar, enraizado na cultura do país que receberá o Campeonato do Mundo de 2022.
Mem Martins SC: Ró-Ró é o 3º em baixo a contar da esquerda (foto enviada por Luís M. Loureiro, o 1º da esquerda, em cima) |
A conversa é cheia de curiosidades e chega ao ponto de Pedro recordar as refeições que fez sem colher nem garfo. Sim, no Qatar é perfeitamente normal comer com as mãos. Um hábito salutar, enraizado na cultura do país que receberá o Campeonato do Mundo de 2022.
Ró-Ró, 26 anos, começou a jogar nas escolinhas do Mem Martins SC, treinado por Luís Miguel Loureiro. Avançado de origem, inspirou-se na dupla ROnaldo-ROmário para criar e eternizar a alcunha.
Uma carreira rara e bonita, até Doha.
Ró-Ró, 26 anos, começou a jogar nas escolinhas do Mem Martins SC, treinado por Luís Miguel Loureiro. Avançado de origem, inspirou-se na dupla ROnaldo-ROmário para criar e eternizar a alcunha.
Uma carreira rara e bonita, até Doha.
PARTE I: do Benfica à seleção do Qatar em dez anos
MF – No Al Sadd há um colega famoso. O que tem aprendido com o Xavi?
PC – O Xavi é o Xavi (risos). É um privilégio estar com ele todos os dias. No meu primeiro dia no Al Sadd, ao entrar no balneário, o primeiro abraço que recebi foi do Xavi. Levantou-se e veio ter comigo, a desejar-me boa sorte e que podia contar com ele. Como é que um jogador que já ganhou tudo consegue ter esta humildade? É um monstro sagrado do futebol.
MF – O Xavi já tem 36 anos. Ainda é competitivo em campo?PC – É um profissional irrepreensível. Corre com bola e sem bola, adora comunicar e ajudar todos os colegas no posicionamento. Jogar com ele no mesmo clube é uma lição diária de futebol. A forma como ele passa a bola… é a perfeição dentro de um relvado. Falamos muito no balneário sobre o Real Madrid e o Barcelona (risos).
MF – O Pedro é adepto do Real Madrid? PC – Eu só sou adepto do meu Benfica, mas simpatizo com o Real Madrid. Por isso estamos sempre a brincar e em picardias. O Xavi a defender o Barcelona e eu o Real.
MF – O professor Jesualdo junta-se a essas brincadeiras? PC – A estas não, mas é um homem que gosta de brincar. Aprendi imenso com ele no último ano. Evoluí muito em todos os aspetos: posicionamento, concentração, abordagem aos lances. O professor investe muito tempo nos treinos a corrigir esses detalhes.
MF – No Al Sadd há um colega famoso. O que tem aprendido com o Xavi?
PC – O Xavi é o Xavi (risos). É um privilégio estar com ele todos os dias. No meu primeiro dia no Al Sadd, ao entrar no balneário, o primeiro abraço que recebi foi do Xavi. Levantou-se e veio ter comigo, a desejar-me boa sorte e que podia contar com ele. Como é que um jogador que já ganhou tudo consegue ter esta humildade? É um monstro sagrado do futebol.
MF – O Xavi já tem 36 anos. Ainda é competitivo em campo?PC – É um profissional irrepreensível. Corre com bola e sem bola, adora comunicar e ajudar todos os colegas no posicionamento. Jogar com ele no mesmo clube é uma lição diária de futebol. A forma como ele passa a bola… é a perfeição dentro de um relvado. Falamos muito no balneário sobre o Real Madrid e o Barcelona (risos).
MF – O Pedro é adepto do Real Madrid? PC – Eu só sou adepto do meu Benfica, mas simpatizo com o Real Madrid. Por isso estamos sempre a brincar e em picardias. O Xavi a defender o Barcelona e eu o Real.
MF – O professor Jesualdo junta-se a essas brincadeiras? PC – A estas não, mas é um homem que gosta de brincar. Aprendi imenso com ele no último ano. Evoluí muito em todos os aspetos: posicionamento, concentração, abordagem aos lances. O professor investe muito tempo nos treinos a corrigir esses detalhes.
Pedro 'Ró-Ró' atrás do capitão Xavi numa foto do Al Sadd |
MF – Há tempo para estarem juntos fora dos treinos e jogos? PC – Eu sou uma pessoa reservada e passo os meus tempos livres mais em casa, com a família. Nas raras vezes que saio é para jantar fora. Normalmente em restaurantes de hotéis. Também já fui ao Dubai e a Abu Dhabi passear, é uma zona com uma extraordinária oferta.
MF – Integrou-se facilmente no país? A maioria dos habitantes é muçulmana. PC – Há coisas muito diferentes, mas dou o exemplo da minha namorada. Anda completamente à vontade comigo, não usa burka nem anda tapada. O ambiente é pacato, de grande respeito. O mais estranho é ter de comer com as mãos em alguns jantares (risos). Eles não usam garfo, nem colher. Uma vez fui jantar fora e tive de comer carneiro e arroz com as mãos. Também não é possível beber bebidas alcoólicas, a não ser dentro dos hotéis internacionais.
MF – E já consegue falar Árabe? PC – Comunico essencialmente em Inglês, mas já consigo dizer várias palavras em Árabe. Aliás, sou amigo de vários qataris e estou bem integrado socialmente. O meu contrato vai até 2020 e não me passa pela cabeça sair daqui nesta altura. Tenho saudades de Portugal, mas estive um mês e meio em casa no verão e voltarei no Natal.
MF – Como se descreve enquanto atleta? Em Portugal poucos o conhecem. PC – Sim, eu sei, ainda não tinha dado entrevistas sequer. Sou um jogador humilde, lutador, capaz de jogar como defesa central ou lateral direito.
MF – Integrou-se facilmente no país? A maioria dos habitantes é muçulmana. PC – Há coisas muito diferentes, mas dou o exemplo da minha namorada. Anda completamente à vontade comigo, não usa burka nem anda tapada. O ambiente é pacato, de grande respeito. O mais estranho é ter de comer com as mãos em alguns jantares (risos). Eles não usam garfo, nem colher. Uma vez fui jantar fora e tive de comer carneiro e arroz com as mãos. Também não é possível beber bebidas alcoólicas, a não ser dentro dos hotéis internacionais.
MF – E já consegue falar Árabe? PC – Comunico essencialmente em Inglês, mas já consigo dizer várias palavras em Árabe. Aliás, sou amigo de vários qataris e estou bem integrado socialmente. O meu contrato vai até 2020 e não me passa pela cabeça sair daqui nesta altura. Tenho saudades de Portugal, mas estive um mês e meio em casa no verão e voltarei no Natal.
MF – Como se descreve enquanto atleta? Em Portugal poucos o conhecem. PC – Sim, eu sei, ainda não tinha dado entrevistas sequer. Sou um jogador humilde, lutador, capaz de jogar como defesa central ou lateral direito.
Um golo extraordinário de Pedro Ró-Ró na liga do Qatar:
MF – Tem o Xavi como colega de equipa. Com ele é fácil ganhar jogos na liga do Qatar?
PC – O ano passado fomos terceiros, por isso não (risos). A liga tem um nível muito razoável e excelentes estádios. É verdade que as bancadas só enchem nos jogos grandes, mas o povo está também a aprender a relacionar-se com o futebol. Esta época temos duas vitórias em dois jogos. Vamos atrás do título.
MF – Jogou cinco anos no Benfica. Em que circunstâncias saiu do clube? PC – Fui do Mem Martins para lá e fiquei cinco anos. Saí porque era muito pequeno. Foi isso que me disseram quando decidiram emprestar-me. Primeiro ao Estrela da Amadora e depois ao Estoril. Diziam que eu não tinha corpo para ser defesa. Eu peço desculpa pela imodéstia, mas sempre fui um dos melhores da equipa nos anos em que lá estive.
MF – Ao sair do Benfica sentiu que o sonho de ser profissional ficava mais longe? PC – Sim, mas eu gosto de desafios e aventuras. Aos 16 anos decidi sair de casa. Um colega meu falou-me da possibilidade de jogar nos juniores do Sp. Farense, no Algarve. Foi no Farense que me estreei no futebol sénior. De lá saí para o Aljustrelense, no Campeonato de Portugal, e de lá para o Qatar.
PC – O ano passado fomos terceiros, por isso não (risos). A liga tem um nível muito razoável e excelentes estádios. É verdade que as bancadas só enchem nos jogos grandes, mas o povo está também a aprender a relacionar-se com o futebol. Esta época temos duas vitórias em dois jogos. Vamos atrás do título.
MF – Jogou cinco anos no Benfica. Em que circunstâncias saiu do clube? PC – Fui do Mem Martins para lá e fiquei cinco anos. Saí porque era muito pequeno. Foi isso que me disseram quando decidiram emprestar-me. Primeiro ao Estrela da Amadora e depois ao Estoril. Diziam que eu não tinha corpo para ser defesa. Eu peço desculpa pela imodéstia, mas sempre fui um dos melhores da equipa nos anos em que lá estive.
MF – Ao sair do Benfica sentiu que o sonho de ser profissional ficava mais longe? PC – Sim, mas eu gosto de desafios e aventuras. Aos 16 anos decidi sair de casa. Um colega meu falou-me da possibilidade de jogar nos juniores do Sp. Farense, no Algarve. Foi no Farense que me estreei no futebol sénior. De lá saí para o Aljustrelense, no Campeonato de Portugal, e de lá para o Qatar.
Doha, capital do Qatar, 32 graus
centígrados a acompanhar o crepúsculo. Pedro Correia, Ró-Ró, já não estranha o
calor. A temperatura do deserto urbano deixou de lhe ser insuportável, mesmo
que no verão os termómetros atinjam os 45 graus.
«Agora até está fresquinho», brinca o
internacional qatari, nado e criado em Mem Martins, no bairro do Casal de São
José.
Sim, Pedro Correia representa a seleção
do Qatar há três meses. Tem 26 anos, já soma nove internacionalizações e sonha
com as presenças nos próximos Mundiais: 2018 e 2022, este a realizar
precisamente no país asiático.
Uma história absolutamente rara,
explicada na primeira pessoa ao Maisfutebol por
um atleta com um passado rico nas escolas de formação do Benfica – cinco
temporadas – e que partilha o balneário com o eterno Xavi Hernandez no Al Sadd.
Clube, de resto, treinado por Jesualdo
Ferreira.
«Aprendi a amar as pessoas do Qatar»
De um bairro dos subúrbios de Sintra à
ostentação da Tower Zone em Doha. Transformação
completa na vida de Pedro, desde sempre Ró-Ró para os amigos.
Como relatar este percurso tão
improvável? Bem, saltemos para 2010 e para o dia em que um empresário o levou
de Aljustrel para o Al Ahli.
«Fiz três jogos no Aljustrelense, estava muito bem. Na altura, o Pedro
Russiano [atual adjunto de Álvaro Magalhães no Gil Vicente] jogava no Bahrain e
indicou o meu nome a um empresário. Fui fazer testes ao Al Ahli, mas só podiam
ficar com um estrangeiro e havia dezenas de candidatos. Correu-me tudo bem e
fiquei».
Seis anos depois, Pedro Correia continua
no Qatar e tem «mais quatro anos de contrato pela frente». «Jogo no Al Sadd e,
entretanto, naturalizei-me e represento o país. Posso garantir que não é por
dinheiro. Aprendi a amar estas pessoas, sempre gentis, e tenho a motivação de
estar em Campeonatos do Mundo».
O Qatar, explica o defesa
lateral/central, está num período de «completa transformação». Social,
económica e desportiva.
«O povo está eufórico com a realização
do Mundial2022, há imensas obras por todo o lado e o investimento é brutal. O
nosso estádio, por exemplo, é o único do mundo com ar condicionado. É, aliás,
impossível jogar futebol sem ser nessas condições».
A naturalização foi célere. Pedro
cumpriu o requisito mais apertado (cinco anos de residência no país) e foi
desafiado pelos responsáveis da federação.
«Eu sou português, serei sempre, mas aprendi a ser qatari também. Dialoguei
com a minha família, com o meu empresário e todos disseram que eu devia aceitar
o desafio. Já tenho muitos amigos árabes e a minha vida continuará a passar por
cá».
Em 2022, Ró-Ró quer que o Qatar organiza
o «melhor Mundial de sempre». «E eu quero estar lá, claro (risos). Tive de sair
do clube do meu coração, o Benfica, aos 16 anos. Uma década depois tornei-me
jogador da seleção do Qatar. Incrível, não é?».
«Estamos na luta pela presença no Mundial
da Rússia»
«Paraíso de tranquilidade», «povo
respeitador», «riqueza infinita». Pedro Correia utiliza estas expressões quando
instado pelo Maisfutebol a falar sobre o
Qatar, um Estado acusado vezes sem conta de graves problemas internos,
nomeadamente na forma como tem gerido a mão de obra responsável pela construção
dos novos estádios.
«Escravatura? Sinceramente nunca me
apercebi de nada. Apenas confirmo que estão a transfigurar vários pontos do
país. Estradas, linhas de Metro, prédios…»
O principal problema, insiste, está
relacionado com as condições atmosféricas, embora o comité organizador do
Mundial esteja empenhado em atenuar os ditames da Natureza.
«Tudo está a ser tratado. Eles vão climatizar os estádios, jogadores e
adeptos terão excelentes condições. No Qatar é assim, as coisas acontecem. De
outra forma, seria fisicamente impossível haver jogos durante o dia».
Pedro Correia (à direita) com a camisola do Al Sadd |
Na sua seleção, Pedro Ró-Ró Correia é
treinado pelo experiente Jorge Fossati, uruguaio de 63 anos. O Qatar nunca
esteve em nenhum Campeonato do Mundo, embora apresente resultados interessantes
nas provas do continente asiático.
Pedro assegura que Fossati está a
construir «uma seleção de qualidade» e capaz de estar já no próximo Mundial.
«Há mais atletas naturalizados [Rodrigo
Tabata, do Brasil, e Sebastián Soria, do Uruguai] e o nível do país aumentou
muito com a aposta em treinadores competentes nos escalões de formação.
Vencemos a Síria no último jogo de qualificação e estamos na luta».
No Grupo A de qualificação asiática, o Qatar soma três pontos e segue atrás de Irão, Uzbequistão e Coreia do Sul. Os dois primeiros passam à próxima fase, o terceiro terá de jogar um play-off.
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